sexta-feira, 29 de maio de 2015

Crítica: Ilegal



O debate sobre regulamentação da maconha tem avançado em todo o mundo. A ideia de que a proibição é um modelo que não funciona é recorrente nos debates a respeito do assunto. Talvez uma das grandes responsáveis na mudança do pensamento de uma parte da sociedade tenha sido a internet, além da militância antiproibicionista, é claro. Foi através do espaço virtual que as pessoas tiveram acesso a um conteúdo mais honesto sobre o tema, já que, de modo geral, a mídia tradicional é conservadora, principalmente no Brasil.
Ilegal, filme de 2014 de Raphael Erichsen e Tarso Araújo, surge dentro desse panorama. O longa, diferentemente de outras produções brasileiras sobre o assunto, como Cortina de Fumaça (2011) e Quebrando o Tabu (2011),  dedica todos os seus 82 min. ao debate sobre regulamentação dentro da perspectiva do uso medicinal da maconha. A produção faz isso através da história de mulheres mães de crianças com algum tipo de doença em que o CBD, composto da cannabis que não "dá barato", atua de maneira fundamental na saúde dos pequenos.
Apesar de ser bem claro à perspectiva do debate sobre a ótica do uso medicinal, o documentário perde muitas oportunidades de aprofundar e de transversalizar com a perspectiva do uso religioso, cultural, recreativo da planta e com o debate contrário a guerras às drogas –  aos pobres –  causados pela proibição.
A cena da conversa entre duas mães com o deputado Jean Wyllys é sintomática. Nela, uma das personagens fala sobre o sentimento egoísta (compreensível e justificável) de ver sua filha bem, já que o CBD por vezes zerava as convulsões que chegavam a mais de 40 por semana. Em seguida, o deputado realiza uma fala certeira sobre a importância do debate libertário e dos males que a proibição gerou à nossa sociedade, mostrando que o debate sobre o uso medicinal e libertário não são desconexos, pelo contrário, dialogam e precisam andar juntos.
O único momento no qual uma situação tranversaliza com outros setores do pensamento é durante as sequências da marcha da maconha. Nesse tipo de manifestação, todas as óticas sobre o assunto são bastante harmoniosas.
De um modo geral, o filme opta por uma zona de conforto estético, narrativo e discursivo desconfortante. A trilha sonora apela para o emocional do público na tentativa de aproximá-lo do sofrimento das personagens. Além disso, o documentário tem caráter muito televisivo e didático. Talvez, isso seja positivo no diálogo com o público mais conservador e leigo sobre o assunto, mas para os "macacos velhos" do antiproibicionismo, Ilegal pode ser apenas um lugar comum.
Outra coisa que, particularmente, me incomoda bastante no filme é a escolha dos personagens. É super válida a presença daquelas mães, porém a perspectiva de uma família de classe média, branca e de certa forma privilegiada, diminui as possibilidades de problematização do tema. Fico imaginando como seria se os diretores recorressem às mães da periferia que têm filhos com doenças parecidas com as apresentadas, às senhoras de camadas sociais mais humildes que fazem o uso da maconha através do chá para alívio das dores, às pessoas com problemas de insônia e com câncer que recorrem ao tráfico para amenizar os seus incômodos.
A contribuição pedagógica de Ilegal é super válida, apesar de pouco arriscada. O documentário pode abrir cabeças e dialogar melhor com camadas da sociedade mais preconceituosas quanto a temática, doutrinada com a ideia demonizada da maconha, através da desonestidade intelectual das campanhas contra as drogas no Brasil e do ideal conservador das mídias tradicionais. Mais do que nunca, é necessário um debate honesto sobre as drogas, apontar soluções a caminho da redução de danos e abrir os olhos da sociedade brasileira que já se acostumou e acha normal a guerra promovida pelo estado. Ilegal contribui nesse sentido.


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