quarta-feira, 4 de março de 2015

As semelhanças entre a família tradicional brasileira e a Família Soprano


A família tradicional brasileira, como se conhece e como ela afirma ser, é aversa a qualquer tipo de progresso. Ela afirma que é preciso retroceder pelo bem da moral (cristã) e dos bons costumes. São conservadores e acreditam que o que alcançamos quanto as liberdades individuais trata-se apenas de “semvergonhice”. Enxergam a luta por direitos uma bobagem, totalmente ligados ao status quo e sem interesse algum de fazer uma crítica madura ao senso comum. Aqueles que chamam as feministas de feminazis e a luta LGBT de ditadura gay, para eles bandido bom é bandido morto, acreditam que o nosso país está virando Cuba e que uma maior participação do povo junto ao estado seria bolivariano demais. Eles sempre existiram, mas Junho de 2013 ecoou uma voz de indignação por progressos e eles apontaram como solução o retrocesso.

James Gandolfini interprete de Tony Soprano na série da HBO
Dizer que Tony Soprano, personagem principal da série The Sopranos da HBO e a “família tradicional brasileira” são iguais seria um tremendo exagero. Porém, não excluo a possibilidade de existirem perfis muito parecidos. A questão que tentaremos explorar nesse texto são as semelhanças entre a família do seriado e esse modelo de família propagandeado pelos conservadores.

The Sopranos acompanha o cotidiano da família que dá nome a série. O chefe, Tony Soprano, é “O poderoso chefão” ou boss da máfia que atua numa determinada região dos Estados Unidos. Com um bom filme de máfia, os Sopranos são descendentes de italianos e tem uma herança histórica baseada na corrupção, roubos e mortes. De origem cristã católica, preservam a moral e bons costumes tradicionais e patriarcais.

Tony Soprano é do tipo anti-herói. Ele é o personagem principal da narrativa e junto a uma maravilhosa execução da série, considerado uma das melhores produções da televisão de todos os tempos, conseguimos acompanhar e torcer pelo personagem. Mesmo suas motivações sendo escrotas e tortas, mesmo o personagem sendo corrupto, assassino, preconceituoso e oportunista, nos afeiçoamos a ele e queremos que ele se livre das atrocidades que comete.


A história é muito bem contada. Sem pressa, consegue mostrar um personagem complexo, suas frustrações e medos. Sim! Tony, apesar de manter escondido, frequenta a clínica de uma psicóloga. Essas visitas acontecem de forma sigilosa, afinal seria mostrar fraqueza demais para alguém tão alto numa hierarquia da máfia, totalmente ligado a figura do homem como ser insensível e “macho”, se consultar com uma psicóloga. O anfitrião Soprano brocha, tem medo, tem sentimentos (apesar de não demostrá-los com frequência), é corrupto e egocêntrico.

A primeira semelhança entre a família Soprano e a família tradicional é a herança privilegiada baseado em coisas não muita justas. Isso é claro na narrativa do seriado, a riqueza da família Soprano é baseada numa tradição mafiosa dos seus antepassados. No Brasil, temos o histórico claro de privilégios dos brancos e europeus, enquanto os negros africanos vieram para o nosso país para serem escravizados e após sua libertação não tiveram acesso as terras nem riquezas que geraram, dando origem às periferias brasileiras. Todo esse histórico, mesmo que de muito tempo, ainda reflete na realidade contemporânea. Aqui a semelhança entre essas famílias se destaca pela herança privilegiada, onde muitas vezes esses próprios indivíduos não observam esse detalhe e justificam a sua realidade de conforto com base na meritocracia.

Outro ponto interessante do seriado é o nível de hipocrisia do seu protagonista, muito semelhante ao clichê do dito “tradicional”. Em determinado episódio da segunda temporada, Tony Soprano, em um diálogo com sua mulher, mostra-se preocupado com as companhias do seu filho. No mesmo episódio, o boss havia matado um personagem pouco importante para o enredo. Não devemos analisar essa situação ao pé da letra. O que é interessante ressaltar aqui é que apesar de cometer erros, o personagem quer passar uma moral puritana, de acordo com seus interesses, para as outras pessoas.

Em todos os episódios, Tony mostra-se pouco preocupado com as questões coletivas. Além de considerar bobagem toda e qualquer forma de conhecimento social, afinal seu filho homem, que ele pretende manter uma herança de liderança de família, passa a questionar o senso comum. Tony Soprano também é machista, preconceituoso e homofóbico e tem como meta de vida preservar a família, apesar de trair com frequência a mulher com quem é casado.

Família Soprano
Tony Soprano, todos os seus aliados e sua família têm muita semelhança com o esse modelo de família tradicional. Modelo este que concentra a análise de sociedade baseado apenas na sua realidade que, apesar de cristã, tem poucas ações coletivas, que apesar de errar adora apontar os erros dos outros e que apesar de ter desejos e no íntimo fugir da normatividade, ainda bate o pé pela manutenção de algo superado. 

Em outro episódio o Soprano encontra seu filho fumando maconha e cria um grande barraco por causa disso. Em momento nenhum, o personagem tem uma conversa franca sobre drogas com o filho, ao mesmo tempo em que é ligado diretamente ao tráfico de drogas daquela região. Na verdade, Tony, em nenhum momento, mostra-se preocupado em ter uma conversa franca e madura sobre temas polêmicos, pelo contrário, ela adora oprimir as coisas ao seu redor, enquanto muitas vezes tem ligações diretas com esse tipo de coisa.

Pelo perfil do personagem, podemos dizer com clara certeza que ele seria desfavorável a uma regulamentação das drogas e acredita que os seus usuários são vagabundos ou coisas do tipo. Como numa cena onde tem uma discussão séria com seu sobrinho pelo fato dele usar cocaína, porém ele é um frequente usuário de whisky. O que é muito semelhante com uma parcela da sociedade brasileira, por exemplo, cuja boa parte mostra-se contrária a uma legalização das drogas, mas costuma beber com frequência.

Tony também adora aproveitar das situações em seu favor. Odeia os policias que o perseguem, mas é camarada dos mesmos que aliviam as coisas para o seu lado. Seja através de propina ou não. Situação que parece semelhante com muitas situações do cotidiano brasileiro. Ao mesmo tempo que se ouve muita reclamação em cima das ações do estado, também observa-se diariamente as mesmas pessoas super atenciosas em encontrar brechas que as beneficiem.

Tony Soprano é do tipo de xingar os filhos por que eles xingaram. Também sofre de uma indignação seletiva, de acordo com os seus interesses. Acha-se no direito de ser um justiceiro, ao mesmo tempo que comete várias injustiças. Se incomoda com as pessoas que tentam mudar a realidade e tem uma forte personalidade egocêntrica e quer reproduzi-la. Tony Soprano não é um personagem comum por suas ações criminosas, mas é um personagem comum por sua personalidade centralizadora e egoísta, tão comum na dita família tradicional brasileira.